Cães
de Aluguel é um filme de Quentin Tarantino. Quem? Aquele cujos filmes são um
banho de sangue grotesco e tosco. Chegam a ser cômicos e até infantis de tão
surreais. Podemos falar em anedota. O próprio Tarantino recorre a anedotas diversas
vezes em seus diálogos. Além disso, seus filmes têm sempre ótimas trilhas
musicais. Podemos, grosso modo, deixar-lhe no Lado B dos enredos policiais, ao
lado principalmente de Robert Rodriguez[1].
Em termos da trama, nada deixa a desejar aos filmes de Martin Scorsese, Brian de
Palma ou Francis Ford Coppola. Somemos a isso inúmeras referências da cultura
pop estadunidense. E insisto: a ótima escolha musical que Tarantino usa em seus
filmes. E no que decorre esta mistura toda?Cães
de Aluguel é o filme de estreia deste cineasta, logo no início da década de 90.
Este é um momento para o cinema em que as mudanças propostas nas décadas de 50
a 70 já se consolidam e a efervescência por rupturas de padrão já está
arrefecida. Há um consenso entre espectadores e cineastas de que o cinema é
ilusão. O que se busca são roteiros inovadores, originais e, principalmente, lucrativos.
Na época o cinema norte-americano já vivia o momento dos blockbusters. É neste
cenário que Tarantino realiza este filme de baixíssimo orçamento, o que o
coloca no hall dos filmes independentes de sucesso. Ainda que indepente, teve
uma boa margem de lucro e chegou a ir ao Festival de Sundance. Com efeito, o
grande mérito do filme reside justamente na forma como foi elaborada a
montagem. O roteiro é bem simples e comum a filmes policiais. Um grupo de seis ladrões
rouba uma joalheria e as coisas não saem como planejado. Eis que dois deles
começam a pensar na hipótese de uma traição. Alguém avisou à polícia que eles
estariam lá? Num galpão abandonado – o ponto de encontro – é onde se passa a
maior parte do filme. Com efeito, o que faz a diferença é justamente a narrativa
não-linear da qual Tarantino faz uso e abuso . Não seguir a ordem natural dos
fatos se torna então uma das marcas registradas do cineasta, o que viria a se
consagrar com Pulp Fiction, seu filme seguinte. E isso é a única coisa que
prende ao filme.Trata-se
de um filme fácil de assistir. Os diálogos são acelerados e dinâmicos e
repletos de referências à cultura pop. Muitos acusam Tarantino de copiar cenas
de outros filmes embora ele diga que se tratam de homenagens. Homenagem ou
cópia, Tarantino é claramente um cineasta da geração do excesso de informações.
O que o diretor faz com toda essa informação? Captura por meio da câmera. Desde
a primeira cena – uma criativa discussão sobre a música “Like a Virgin” de
Madonna – que as citações e referências recheiam os diálogos nervosos e cheios
de palavrões. Entretanto ele não elabora
acerca dos homens, nem da sociedade, nem da violência. Talvez apenas elabore
acerca de gorjetas. Ele apenas joga elementos de filmes, musicas e até
quadrinhos livremente na tela. È um cineasta que prevê espectadores bem
informados. Mas só. Parece apenas consumir a cultura, como quem devora um
suculento sanduíche de redes de fast food. Não discute, não reflete. Só jorra
sangue. A cena inicial é a mais consistente do filme. De resto, fica preso no
vazio.Dizem
que os seres moralmente fracos apelam para a violência[2].
Mesmo a pequena produção que foge da uniformização dos processos
cinematográficos, pode se perder. Na cinematografia de Tarantino sobra
imaginação para ele e falta ao espectador. Tudo é muito explícito e de alguma
forma já está pronto. Não há o que refletir, pensar, imaginar. Apenas receber
os estímulos visuais e sonoros que vem da tela praticamente prontos. Um bom
exemplo de um filme que contém cenas de violência apenas implicitamente é o
L’argent, de Robert Bresson. Na bela sequência em que o jovem injustiçado mata
a família de sua amiga à machadadas, não vemos nada, apenas pés, portas entre
abertas e o latido do cachorro sugerem os assassinatos. Cinema é busca e
principalmente imaginação. O espectador
também deve ter este direito – o de imaginar – e não só o Diretor. Se não
fossem as elipses temporais o filme seria um mero espetáculo de violência
gratuita. O que prende e cativa é justamente a forma como os enredos são
montados. Enquanto um contador de historias, Tarantino merece mérito pela forma
como escolhe para enquadrar e direcionar sua história. Não é só a narrativa
não-linear que cativa o espectador. A forma como enquadra é o que vale à pena. Mescla
movimentos de câmera com câmera parada. Uma linda cena é uma em que o Mr.
Orange – em sua casa – tenta decorar uma história fictícia para ser verossímil
em sua atividade como infiltrado na gangue. Enquanto a câmera está fixa, o
personagem entra e sai de quadro. Falando em voz alta, quando sai de quadro
fica apenas sua voz (e dois pôsteres de comic books). Será que Tarantino se
inspirou em Ozu para tal cena? Outro mérito é o fato de que o diretor usa
sabiamente o a artifício de plano e contra-plano em apenas alguns diálogos, e
ainda assim o faz explorando a profundidade de campo e outros elementos
cênicos; assim consegue usar o artifício tão usado e desgastado em diálogos, sem
que este se perca na monotonia de imagens previamente determinadas pelo Diretor,
que direciona e manipula o olhar do espectador e acaba por não permitir uma
interação com o quadro em campo. Além disso, usa bastante Steadicam, dando
movimento e continuidade aos planos. Não podemos deixar de falar dos atores. Todos
estão incrivelmente entregues à interpretação. Na cena em que tortura o
policial refém, Mr. Blonde (embalado pela clássica “Stuck in the Middle” do
Stealers Wheel) Michael Madsen chega a contagiar. Fora isso, o filme se enquadra em um mero
espetáculo. Puro entretenimento vazio e superficial, apesar dos belos
direcionamentos de ritmo e enquadramento. O final é um clássico de sua
cinematografia; um mata o outro, quase todos morrem. É um filme quem diverte a
quem não tem estômago fraco. Melhor alugar Bastardos Inglórios, filme em que
Tarantino faz uma linda homenagem ao Cinema e ainda por cima muda os rumos da
história – como muitos de nós já imaginaram – e mata Hitler. Ou então ouvir
Madonna, a rainha do pop, diversão garantida!
[1]
Robert Rodriguez é um cineasta norte-americano que realiza filmes de baixo
orçamento, mas com muito esguicho de sangue também.[2]
Neste espaço não pretendemos julgar o caráter de Tarantino, apenas lançar
alguma luz acerca de seu filme.
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