Metacinema.
MetaFellini. Falar de 8 ½ é falar de cinema,
mas é também falar de Fellini. Inclusive é sabido que este filme é uma
espécie de autobiografia. De fato o Cinema não é citado por Fellini apenas
neste filme. E nem Fellini é citado por ele mesmo pela primeira vez. Entretanto
o caráter autorreferencial que perpassa toda a obra de Fellini é parte de seu
dom: escrever textos por imagens. Seus filmes então se tornam imagens do
pensamento. Eisenstein já dizia, na década de 20, que a “a essência do Cinema
não está nas imagens, mas no texto visual que construímos com elas”. E Fellini
encontra estes elementos que irá incorporar aos seus textos/filmes, no
cotiadiano.
Com efeito, este filme em particular, carrega uma
autorreferência muito grande. Marcelo Mastroiani aparece como seu alter ego. Inclusive
usa os mesmos óculos e chapéu que Frederico. O que não quer dizer que seja uma
cópia. Talvez isso fique bem claro quando Fellini assume seu apreço pela
ilusão, pela fantasia. Se distancia de qualquer naturalismo. Fernando Pessoa
que nos diz: “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente, que chega a
fingir que é dor, a dor que deveras sente”. Assim se faz um Cinema ligeiramente
platônico, quando o sensível copia o inteligível, nos levando à imitação.
Contudo, faltou e Platão a poesia. O que não faltou à Fellini. O filme é a
verdade e a mentira.
Em 8 ½ acompanhamos a trajetória de Guido, um diretor de
cinema famoso, porém em um período de crise criativa. Não consegue começar o
processo de filmagem, ao passo que vai piorando conforme a pressão do produtor.
No final do filme Guido lamenta seu fracasso no momento e desabafa que somente
queria fazer um filme honesto, sem mentiras.
Fellini é de um momento do Cinema (bem como da sociedade
em geral) em que cineastas buscam romper com a padronização do cinema à La
Hollywood. É inegável que a possibilidade de se narrar histórias por meio de um
dispositivo (a câmera cinematográfica) é genial. Scorcese (que fora amigo e
admirador de Fellini) diz, em uma entrevista a um programa televisivo
norte-americano, “que apesar da grande contribuição de D.W. Griffith para o
vocabulário do cinema, temos pessoas que levam o vocabulário à um outro nível”.
Fellini faz uma nova combinação de elementos fílmicos. Mas de uma forma que só
ele o faz. Doravante, a cinematografia felliniana é associada à fantasia, à
ilusão, à alegoria. O espaço-tempo fílmico onírico em Fellini, busca algo para
além da realidade, no entanto nela mesma. Para Freud é justamente no sonho que
podemos transgredir. Acessar o sonho é burlar regras. O sonho (para a
psicanálise) é a manifestação do inconsciente. Que recalca e esconde os
verdadeiros desejos do indivíduo. O inconsciente é justamente onde está o real.
Ao passo que imaginário é o mundo que nos cerca – quando acordados. Contudo
devemos ressaltar que mesmo que assuma um caráter alegórico em suas obras,
Fellini o faz a partir de regras. Tanto que o autor/diretor não acredita em
liberdade poética total. Assim o criador tenderia ao nada, ao vazio. Entende o
artista como um transgressor. E para transgredir você precisa de regras.
Devaneios são vazios A essência deve sempre existir na composição do texto.
Ainda que o cineasta seja um mentiroso, para Fellini ele
é mais. O cineasta é um mágico. Há algo de verdadeiro e mentiroso. O mágico no
filme é também telepata. Faz a ponte entre a mente de Guido (o roteiro, a
lembrança) e o quadro (tela de projeção). Contudo, só quem sabe à que as
palavras na tela realmente se referem é Guido. Para os outros parece algo
desconexo. Para o espectador também, até que o autor nos revela a origem da
estranha expressão “ASA NISI MASA”. Uma lembrança da infância de Guido. O que
evidencia o caráter de que uma imagem transcende a prisão da mensagem. O
espectador ativo (lembremos de Brecht) cria sua própria relação com a imagem vivenciada.
O cinema partilha subjetividades. Assim como para o poeta mexicano Octavio Paz,
“a linguagem na poesia rompe a sua qualidade comunicativa”. Não apenas
representa a realidade. Assim temos no cinema de Fellini o grande mérito de uma
criação fílmica que não apresenta, não representa, mas transgride a imagem e
vai além.
A tudo isso acrescentemos a forma como a câmera se move,
parecendo passear pelo quadro, deslizando. Em fotos de sets de Fellini, nunca
faltam trilhos para os travellings bailantes. A trilha musical que embala é
notável e clássica. Elaborada por Nino Rota, que é parceiro de Fellini também
em outros filmes. Rota compôs clássicos para o cinema não só Felliniano, mas
também outros cineastas. Para Scorcese, por exemplo, em “O Poderoso Chefão”.
Clássica trilha também. Enfim, os quadros compostos por todos estes elementos
faz de 8 ½ um filme imperdível, principalmente para os amantes da arte
cinematográfica. A única coisa que falta mesmo é Giulieta Masina (inesquecível
em “Julieta dos Espíritos”). Uma bela parceria com o cineasta dentro e fora das
telas.
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