Roma Cidade Aberta - Roberto Rosselini


Se Roma Cidade Aberta é um daqueles filmes ícones? Tão ícones que contém em si diversos quadros ícones? (Tal qual a cena do fuzilamento de Pina)... Este filme parece mais do que apenas um ícone: trata-se de um filme histórico. Marx uma vez disse que os homens “fazem história embora não saibam que a fazem”. Pois bem, não estamos falando em alienação, mas em uma despretensão do diretor Roberto Rosselini em realizar um marco histórico no cinema. Fazia história e não sabia que o fazia. Ainda no início do filme, uma cartela já nos indica o que seria um dos momentos mais importantes da história do cinema. Diz ao espectador que a trama é baseada nos nove meses de ocupação nazista na Itália. Para tal, ocorrerão “coincidências” com a realidade. Eis que, este estilo de fazer cinema na Itália do pós-guerra, será conhecido como “Neorealismo Italiano”. Sabe-se que Roberto Rosselini diz – sobre Roma Cidade Aberta – que gostaria de seguir um método documental, ainda que seja um filme de ficção. Isto porque se trata de uma história pela qual o próprio Rosselini passou: fugir das patrulhas nazi-fascistas na Itália. Rosselini também fazia filmagens para a Resistência Italiana.
Entender a importância deste filme requer que voltemos um pouco na história. Comecemos pelo título que já nos diz do que se trata: Roma no período em que foi denominada como “Cidade Aberta”, o que em períodos de guerra quer dizer que Roma seria uma cidade proibida de se bombardear. No entanto estava em ruínas após cerca de três décadas de guerra mundial. 1945: este foi o ano da morte de Mussolini, de Hitler e do fatídico ataque nuclear a Hiroshima e Nagasaqui. A Europa vivia um momento de busca pela libertação dos regimes opressores nazi-fascistas. Ainda em guerra – mas na condição de “cidade aberta” – uma Roma destroçada será, literalmente, o palco para as dramatizações à La Rosselini. Talvez Rosselini seja o mais dramático dos italianos neorealistas. Uma das propostas do Neorealismo era sobriedade nas atuações, para assim dar-lhes o mesmo peso dos fatos; e não sobrebujar um ao outro.
Transformar a realidade em história. Um filme com este roteiro hoje em dia é até corriqueiro e pouco inventivo, mas na ida década de 40, auge do combate a sistemas fascistas de governo – este especialmente que fora filmado ainda durante a guerra! – fazem com que Roma Cidade Aberta seja um expoente fílmico da década (ou das décadas). Juntamente temos dois filmes que, com este, compõem a chamada trilogia da guerra de Rosselini; são eles: Paisá (1946) e Alemanha Ano Zero (1948).
Mas enfim, Rosselini escreve (que também tem, entre outros, Fellini como parceiro) um enredo bastante dramático ao mesmo tempo em que diz tentar “capturar a realidade”. Filma nas ruas. Mais especificamente em um prédio bombardeado, em ruínas. Filmar em locações reais, com a cenografia já pronta é além de tudo a única opção quando não se tem estúdios. Como é o caso, nesta Roma destruída. A única atriz (de teatro) é Anna Magnani (futura mulher de Rosselini), todos os outros personagens são vivificados por não atores. É cortante ver aquela mulher (Pina) ser morta, grávida, na frente de seu filho, que corre para abraçar o corpo que jaz estendido no chão.  Cena ícone. Assim aos poucos, Rosselini vai costurando o que iremos chamar de “Neorealismo Italiano”. Andre Bazin define o neorealismo italiano como sendo uma perfeita união entre realidade e ilusão no cinema. Conferindo à imagem a possibilidade de falar por si. Trata-se de parecer-se com ela mesma.
Talvez melhor do que usar a expressão “captura da realidade”, podemos dizer melhor sobre este filme que “expressa com autenticidade” o momento da Itália no pós-guerra. Não se trata de um duplo da realidade, mas uma expressão do que acontecia. Apresenta representando. Representa apresentando. Ao mesmo tempo em que mimetisa a realidade, discursa. È um filme em que se discute política. Um cinema de Rosselini cheio de ideologia. Por diversas passagens vemos a luta da classe trabalhadora. Vemos no padre, ideais depois preconizados pelos Teólogos da Libertação, nas décadas seguintes, por padres da America Latina. Na escada do prédio, Pina tem uma conversa com Francesco em que ela desabafa seu cansaço perante a guerra. Francesco se remete à Primavera.
Com todo este cunho político, ainda resta para o final. O oficial da SS discursa que os italianos “tem a doença da retórica”. Em seguida fuzilam o padre. As criancinhas assistem do lado de fora. O fim da inocência ou o nascimento da esperança? Talvez a utopia de uma criança possa ser a ideologia de um indivíduo social e coletivo amanhã. Afinal, é lindo e fúnebre quando eles assobiam para o padre no momento do fogo! 

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